12 de agosto de 2011

Homossexualidade e Práticas Matrimoniais (David McCarthy Matzko)

HOMOSSEXUALIDADE E RELAÇÕES MATRIMONIAIS


David McCarthy Matzko
De Modern Theology, 13 de julho de 1997, p 371-397

INTRODUÇÂO

A homossexualidade é um assunto controverso para a igreja. A presença de crentes gays e lésbicas induz uma boa parcela de dissonância sobre as práticas tradicionais do matrimônio e sobre como responder ao fato de um número cada vez maior de pessoas aderir solidamente a tais uniões sexuais. Essa dissonância não alcançou um estágio crítico por razões exclusivamente relacionadas à homossexualidade. A própria prática do matrimônio está em crise, e para muitos, a questão da homossexualidade provê bases para lançar ataques contra as práticas matrimoniais de nossa cultura liberal. Quando estes defensores pressupõem uma simples conexão de causa-efeito entre homossexualidade e tempos de abandono do matrimônio, eles se enganam. Mas estão corretos em assumir que justificar uniões do mesmo sexo requer repensar o significado do matrimônio heterossexual. Uma reformulação parece ser inevitável. Por exemplo, a maior parte daqueles que justificam uniões entre pessoas do mesmo sexo fazem isso elevando a finalidade do casamento a uma posição primária e relevando seu propósito criativo. O laço interpessoal é compreendido como a essência do casamento, tanto em termos hetero como homossexuais. [1]

Esse conjunto de argumentos apóia o papel das uniões entre pessoas do mesmo sexo dentro das práticas matrimoniais. Mas, estranhamente, silenciam se o matrimônio atende às particularidades das uniões do mesmo sexo. Conceitualizar matrimônio em termos de homossexualidade é, naturalmente, inevitável -- tanto para detratores como para defensores da homossexualidade. Enquanto os defensores enfatizam bens específicos para uniões do mesmo sexo, os detratores se esforçam em impor inovações para realçar os aspectos particularmente heterossexuais do matrimônio. Neste sentido, tanto a homossexualidade como a heterossexualidade trazem algo novo. O casamento, como outras práticas da igreja, está ligado às práticas tradicionais, e está mudando, mas os argumentos do presente ensaio não toma partido de nenhum dos lados nesse debate em torno do matrimônio. Esse ensaio mantém uma visão conservadora, na medida em que apoia as duas finalidades, amor conjugal e procriação, como a melhor articulação dos benefícios [1b] e das práticas matrimoniais. A composição, portanto, não está relacionada a reestruturar uma teologia de matrimônio. Seu ponto de partida é mais prático. O presente ensaio pressupõe o fato de certas uniões sexuais já estarem funcionando dentro das comunidades enquanto matrimônios. Tais pares de gays e lésbicas apóiam e são apoiados pelas práticas matrimoniais e familiares da comunidade como um todo. Com tais uniões já estabelecidas, a tarefa não é reformular o matrimônio de forma que gays e lésbicas possam aderir. Em vez disso, a tarefa é entender como e por que essas uniões sexuais se ajustaram tão bem, a despeito daqueles tantos bons argumentos lançados contra elas.

O presente ensaio tem quatro seções. A primeira aborda o assunto das uniões homossexuais com um exemplo concreto, um par lésbico e sua filha, tal exemplo, no desenvolver da seção, é tido como uma anomalia. Alguém pode compreender o conceito de anomalia como uma insinuação de que este par lésbico representa uma união distorcida, mas tal não é o propósito aqui. Pelo contrário, o conceito provê alguns meios para indicar o inesperado (contudo natural) ajuste entre este par e as práticas matrimoniais preponderantes na comunidade heterossexual a que elas pertencem. Anomalia é um conceito útil porque além não comportar categorias normativas, também não comporta concepções habituais de desvio. Fica no meio termo. O aparecimento anômalo requer uma decisão sobre quais categorias usar para chegar à melhor avaliação de suas características. A idéia de uma anomalia, então, oferece alguns meios para acentuar a norma do matrimônio heterossexual, ao mesmo tempo em que abre a questão sobre o estado de nossas duas mulheres e de sua filha. Se as vidas delas estão situadas entre claras categorias de norma e desvio, de qual lado da divisão se situam? Se a união delas é constituída dentro e pela prática matrimonial de uma comunidade, permanecerão ainda de pé os argumentos típicos contra uniões de homossexuais? As três seções subseqüentes desse nosso ensaio aborda tais questões, cada uma delas lidando com uma diferente objeção à homossexualidade. As objeções são feitas enquanto defesa do bem público (seção 2), em termos da imoralidade do ato homossexual em si mesmo (seção 3), e por meio de textos bíblicos particulares (seção 4). Eu considero os argumentos mais fortes de cada objeção e contra-argumento que em seus próprios termos eles são incapazes de excluir o caso que tomamos como teste. Eu sustento que o matrimônio provê uma categoria apropriada não para uma compreensão total mas para a compreensão de determinadas uniões do mesmo sexo.

A Anomalia

Imagine duas mulheres e uma criança sentadas juntas em meio a uma congregação durante a missa de domingo. Elas compartilham a paz de Cristo com as pessoas ao redor, recitam o Sanctus, anunciando que Cristo morreu, ressussitou, e que voltará novamente, e elas, com o resto das pessoas se dirigem para o altar para repartir o pão. A cena é comum, duas mulheres e uma jovem menina. Elas podem ser mãe, filha e uma amiga, ou cunhada, mãe e filha. As possibilidades são muitas, sem nada de extraordinário em suas relações. Agora, imagine que as três voltem juntas para casa; comam, cochilem um pouco, e passem a tarde brincando e executando tarefas domésticas que deixaram para fazer durante os fins de semana. Quando a noite chega, a criança vai para o quarto dela para dormir, e as duas mulheres vão para o quarto delas, deitam-se na mesma cama, após leituras, conversas, abraços, beijos, carícias, ficam com sono e dormem. Pela manhã, as três se entregam a seus afazeres, vão para a escola e trabalham, ao anoitecer voltam para casa como todo mundo faz, no que diz respeito à criança, é bem cuidada, e sustentada por uma relação de intimidade, confiança, e cuidado mútuo.

Os elementos desta pequena história são incongruentes? Talvez a imaginação dos leitores foram unificadas no começo ordinário mas divididas no fim. A cena na igreja se coaduna com os movimentos no quarto e a intimidade sexual das duas mulheres? Alguns leitores podem estar inclinados a responder que a transição não é estranha porque eles imaginaram as duas mulheres e uma criança enquanto uma família, na medida em que apóiam suas vidas de uma forma semelhante ao vigamento familiar mais comum com três pessoas, homem, mulher, e criança. Outros argumentarão contra esta atitude amigável nas relações lésbicas. A aparência de família é clara. Mas os adúlteros e molestadores de crianças também dão uma aparência de família, ao passo que seguramente não podem ser tidos como tal. Mas qualificar o trio de nossa história de família constitui um uso acrítico da palavra.
Por intuição ou arrazoamento, alguns afirmarão que certos «bons costumes» são sustentados por esta família composta por mulher, mulher e menina, enquanto que outros afirmarão que os costumes [1b] essenciais à convenção do matrimônio são negados pela própria natureza dos atos sexuais delas. Se por um lado, tal relação sustenta fidelidade, cria uma firme convenção, totalmente reforçada com papéis de parentesco, e complementada com o amor, o cuidado, e a educação da criança. Por outro lado, a relação delas não é de forma alguma procriativa e não reflete a reciprocidade natural homem e mulher na ordenação procriativa. É provável que ambos os lados do debate ordenem temas e passagens bíblicas, reivindiquem bases fundadas em uma antropologia teológica, e evidências anedóticas. Minha intenção é ser responsável pelos argumentos básicos de ambos os lados. Apesar de práticas cristãs e teologias morais tradicionais de longa data colocarem-se frontalmente contra este par lésbico; estas duas mulheres, junto com outros pares, aderiram à fé, estão firmes e estabelecidas, e criam uma criança. Mesmo a união delas sendo informal, e faltando-lhes o consentimento explícito da comunidade de fé que freqüentam, o par vive bem na graça de Deus, um sinal do pacto divino com o mundo. O que fazer? Nós que estamos firmados na tradição cristã? Como lidar com este fenômeno?
Nosso par lésbico e a filha delas constituem uma anomalia diante da comunidade que freqüentam. Uma anomalia implica em categorização, e chamar determinada união homosexual de anomalia dá margem à procura de que tipo de categoria é mais apropriada para situar aquele relacionamento em particular. Sua base é o mero prazer? É fornicação? É antinatural? Representa uma forma imatura ou mal-ajustada de expressão sexual? É um matrimônio? Cada uma destas cinco opções também poderiam ser usadas para descrever relações heterossexuais. Esse é precisamente o ponto. Nem todas as atividades heterossexuais são classificadas da mesma forma, e algumas relações lésbicas e gays nos exigem que façamos determinações difíceis sobre qual de nossas categorias típicas elas se encaixam. No moderno mundo Ocidental, acredita-se que o desejo para a intimidade sexual emerge da orientação sexual que a pessoa teve. A noção da orientação não só salienta o mesmo uso sexual dos órgão genitais como também considera um profundo desvio caso ocorra o contrário (na pessoa, não no ato), mas também criou a possibilidade de pessoas afirmarem sua identidade como homossexuais. Além dessa idéia de orientação, determinadas intimidades sexuais, são vistas como um ato, ou expressão de desejo excessivo ou mesmo uma forma de sexo não-procriativo, entre outros. [2] Categorias são essenciais à compreensão. Se certas relações são chamadas de anomalias, então há algo nelas que gera categorias não muito definidas.

Dizer que certo relacionamento gay ou lésbico é anômalo garante não apenas seu desencaixe do paradigma normativo, como também livra-o de ser avaliado como corrupção e abuso da norma. A anomalia, então, induz uma confusão de categoria. Se nossas categorias estabelecidas são círculos e quadrados, como podemos colocar um triângulo ao lado de um quadrado e um círculo? Alguém pode responder que a resposta óbvia seria criar uma terceira categoria, mas esta resposta confunde a perplexidade de uma anomalia real com a claridade do círculo e o exemplo do quadrado. Se os quadrados são normativos, o triângulo equivaleria ao odioso círculo? São os triângulos suficientemente semelhantes a um quadrado para que se tornem aceitaveis, embora não paradigmais? Considere outro exemplo. Sem contar as cartas de um jogo de baralho, é possível decidir se um dois vermelho de paus deveria ser considerado paus, copas, ou ouro? Não. Nós contamos as cartas e determinamos um lugar para o paus vermelho realçando seu desenho de paus (lida como carta preta) ou realçando sua vermelhidão (lida como copas ou ouro).

Estes exemplos não estão muito distantes do tratamento da igreja ao matrimônio. Se assumimos que determinado matrimônio é marcado por fidelidade e procriação, então teremos que tomar decisões sobre relações que não incluem estes dois fins básicos. Sobre matrimônio sem filhos, o Catecismo católico diz isto. "Os Evangelhos mostram que esterilidade física não é um mal absoluto." "Absoluto" é um qualificador significante, indicando que a esterilidade impõe um sofrimento que pode ser suportado. Na medida em que o sofrimento está em algum lugar entre o mal e o absolutamente mal, muitos matrimônios sem filhos são sustentados como uniões e mantém o caráter procriativo do casamento. Como? "Eles deveriam se unir com a Cruz do Senhor, a fonte de toda a fecundidade espiritual. Eles podem dar expressão à sua generosidade adotando crianças abandonadas ou prestando serviços para outros." [3] É o dois de paus vermelho suficiente diante do resto das cartas de paus de forma que sua vermelhidão é negligenciada contanto que possa funcionar como um dois preto? Parece assim. Por adoção ou serviço generoso para a comunidade, o matrimônio sem filhos, por analogia, sustenta o caráter procriativo do matrimônio em geral. Não cumpre o paradigma básico mas apóia o caso normativo realçando suas semelhanças a uma plena expressão dos fins do matrimônio.

Quando uma união sem filhos, é mantida dentro do contexto do matrimônio, os desafios à fidelidade apresentam um caso mais ambíguo. A infidelidade é mais ambígua porque a união real do matrimônio está em jogo. A finalidade da união não tão elástica quanto a finalidade procriativa. Em Humanae Vitae, por exemplo, a união conjugal, sem parto, é considerada em perigo mais sério do que quando são usados métodos de controle de natalidade artificial. [4] Muito se escreveu sobre a relação entre os fins unitivos e procriativos do casamento, especialmente em termos da Humanae Vitae. [5] Para nossos propósitos, a diferença de importância entre os dois é que a procriação pode ser expressa por práticas análogas de serviço e criação de crianças, enquanto que fidelidade não tem nenhuma expressão apropriada. A infidelidade contradiz o caráter teológico do matrimônio como uma firme convenção de íntima auto-doação. Um exemplo de infidelidade começa a ser remediado quando a convenção é reconhecida e é restabelecida. Mas hábitos consistentes de relacionamento extra-matrimonial alcançarão um ponto onde a deslealdade move a relação do par além dos limites do matrimônio. Há um ponto onde a perpétua infidelidade já não pode mais ser mantida dentro do matrimônio e a relação torna-se semelhante à poligamia ou a uma união completamente descompromissada. Um matrimônio que é permanentemente sem filhos ou que suporta um episódio de infidelidade é imaginável, mas um matrimônio marcado por hábitos persistentes de adultério introduz um caso que oscila entre matrimônio e algum outro tipo de relação. Infidelidade persistente descaracteriza o matrimônio.

O propósito de comparar adultério e matrimônios sem filhos vai no sentido de indicar como eles são compreendidos em termos dos seus opostos, os fins de unidade e procriação em matrimônio. Embora ambos contradizem um fim, de certo modo eles podem ser entendidos como não transgredindo os limites providos pela expressão básica de matrimônio. Os sem filhos são capazes de sustentar as finalidades do matrimônio de parentela por outros meios, e o infiel pode ser restabelecido. Mas há limites. A questão para este presente ensaio é se todas as relações gays e lésbicas estão ou não além dos limites dos paradigmas básicos. Todas as uniões do mesmo sexo são uma violação da convenção matrimonial? Algumas são aceitáveis, ou obviamente análogas a ela? A falta relações sexuais em um casamento pode ser suprida por outras práticas análogas? Estas perguntas permanecem abertas, contudo não assumimos aqui que todas as relações do mesmo sexo sejam idênticas.

Algumas uniões gays e lésbicas apresentarão uma anomalia em um grau que não se encaixa em qualquer vigamento tradicional para o matrimônio ou padrões típicos de desvio comportamental. O conceito de anomalia em si pode criar confusão. A idéia de anomalia não está sendo usada aqui para argumentar que uniões homossexuais sejam uma abominação, mas para reconhecer que algumas uniões gays e lésbicas são bem apropriadas a uma prática cristã do matrimônio. A expectativa que todas as uniões homossexuais são estranhas ao matrimônio é que soa como uma anomalia. Em outras palavras, os argumentos deste presente ensaio pressupõem que as relações gays e lésbicas não são paradigmais, mas que algumas causarão dissonância conceitual para aqueles que assumem uma diferença irredimível entre homossexualidade e matrimônio. Esperançosamente, a dissonância foi criada pela história introdutória das duas mulheres e a jovem menina. As próximas três seções considerarão vigamentos para avaliar as relações delas e as práticas de família.


Objeção Um: O Bem Público

Em 1994, o Ramsey Colloquium, um grupo patrocinado pelo Institute on Religion and Public Life, publicou uma breve mas matizada declaração relativa à revolução cultural que o movimento gay e lésbico parece estar desenvolvendo na sociedade americana. [6] A declaração do Colloquium não detalha as metas dessa revolução. A descoberta significante do grupo de Ramsey é que essa tal revolução reforma as normas sexuais, não só de forma que o "estilo de vida" homossexual seja tolerado mas também visando livrar todas as pessoas dos padrões opressivos da monogamia e da fidelidade heterossexual. A questão, então, é que o movimento gay fixa-se contra normas as tradicionais do matrimônio e da família. Em resposta, o Colloquium não descreve a revolução como liberação mas como o falecimento das práticas que sustentam o tecido moral do bem-estar público. Nesta linha, sua declaração é dirigida contra o que chama de "políticas gays e lésbicas" em lugar da moralidade de indivíduos particulares. A moralidade individual, naturalmente, entrará na discussão, mas após a defesa de certas normas sociais. Mas a declaração do Colloquium separa o movimento social dos casos individuais de forma que seus argumentos sejam engajados em termos do bem público.

O grupo de Ramsey deixa claro que há dois vigamentos de moralidade sexual opostos entre si. De um lado estão as normas matrimoniais e familiares sustentadas dentro do judaísmo e cristianismo, e do outro está o movimento homossexual que promove um estilo de vida gay e uma ideologia do libertarismo sexual. A declaração do Colloquium é obscura sobre os elementos particulares do significado desse "estilo gay de vida" e obscura sobre se tal estilo ipso facto influi ou não nos desejos homossexuais da pessoa que adota este estilo de vida. Este segundo ponto torna-se de vital importancia, na medida em que a declaração parece insinuar que abordar a homossexualidade de alguém eqüivale promover uma "política gay". Esta correlação não é sustentável, nem lógica nem empiricamente. Embora a declaração abra caminho para esta conclusão, abstém-se de fazer a conexão necessária entre expressar desejo sexual para uma pessoa do mesmo sexo e a ideologia do "estilo gay de vida". Sua preocupação é desafiar as convicções do movimento homossexual, ou seja, não o isola como uma particularidade ideológica homossexual, mas como um conjunto de idéias desejáveis do libertarismo heterossexual. Esta ideologia geral da revolução sexual vai tão longe ao ponto de defender que nenhum desejo sexual deve ser contido ao mesmo tempo em que assume uma atitude desdenhosa para com o significado da intimidade sexual. Também encoraja uma busca egoísta do desejo e um abuso do corpo em conquistas heróicas de prazer. Esta ideologia no final das contas acaba sendo destrutiva de acordo com o Ramsey Colloquium, ou seja, uma falsa doutrina que "não desenvolve a individualidade nem conduz ao bem-estar social". [7]

Do lado oposto à revolução sexual estão as normas matrimoniais e de família. O Colloquium é consistente em seu foco quando sustenta as práticas e convicções tradicionais na promoção do bem público. A declaração deles na norma heterossexual afirma que "matrimônio e família -- marido, esposa, e crianças, unidos por reconhecimento público e laços legais -- são as instituições mais efetivas para a criação das crianças, para a boa direção das paixões sexuais, e para o desenvolvimento humano na comunidade”. [8] A união macho e fêmea, expressa paradigmaticamente no matrimônio, é procriativa, provendo um contexto estável para criar as crianças e sustentar a continuidade da comunidade humana através do tempo. A complementaridade dos sexos, possível só dentro de uma união heterossexual, expressa a unidade na diferença da comunidade humana, e a instituição de matrimônio cultiva e guia o desejo sexual saudável. Em resumo, o matrimônio é o contexto normativo para a expressão sexual e para a preservação de todos os bens que emergem dele.

A partir dessa afirmação de que o matrimônio heterossexual é normativo, o Coloquium passa a definir os atos homossexuais como uma forma de desvio extra-matrimonial. Para essas pessoas que não se enquadram no matrimônio, sejam homo ou heterossexuais, só haveria um caminho, segundo o Coloquium, a castidade. A declaração reconhece que a homossexualidade é uma orientação em vez de um ato ocasional. Mas resiste em reconhecer que há uma orientação homossexual equivalente para heterossexualidade, como os defensores gays e lésbicas com razão reivindicam. Indiretamente, a declaração tropeça em uma analogia entre orientação homossexual e predisposição para alcoolismo ou violência. [9] Ambos podem ser inatos, mas nenhum deles pode ser justificado como alguma coisa tida originalmente como natural. Estas analogias são insuficientes, como será discutido ao término deste ensaio. Para agora, é importante destacar que do ponto de vista do Colloquium esta maneira de depreciar a orientação de homossexual é consistente apenas como uma tomada de posição do matrimônio heterossexual como norma. Nas condições do Colloquium, a homossexualidade não pode ser aceita como uma opção de estilo de vida. Para sublinhar este ponto, a declaração desloca-se de sua preocupação inicial com a ideologia da revolução sexual para a moralidade dos atos individuais. Enquanto, inicialmente, a declaração relaciona-se à ideologia do estilo de vida gay, na conclusão, assume que todos os atos homossexuais e as relações de mesmo sexo são consideradas como desafio à norma. Todas as relações gays ou lésbicas parecem cair sob a bandeira do estilo de vida gay.

No que diz respeito ao documento do Ramsey Colloquium tenho que reconhecer, pelo menos como hipótese, que seu raciocínio sobre o bem público é confiável. O Colloquium tem razão em reivindicar que a cultura predominante no Ocidente é infalivelmente ligada às práticas e normas ideológicas do matrimônio heterossexual. Contudo, algumas de suas outras reivindicações são menos evidentes, como a reivindicação de que nós aprendemos a avaliar as diferenças dentro de comunidade por meio da complementaridade macho-fêmea do matrimônio. "Avaliar as diferenças" é uma frase escorregadia, dado que a valorização das mulheres continua freqüentemente sendo determinada através do status econômico. Embora esta reivindicação sobre complementaridade macho-fêmea e outras reivindicações (por exemplo a analogia de alcoolismo) sejam questionáveis, eu concederia que elas são basicamente verdades, que o matrimônio heterossexual e a forma familiar compõem um tecido insubstituível de nossa comunidade humana. Mas mesmo reconhecendo a tese básica, eu coloco uma exceção, quando apresento a anomalia das duas mulheres com uma criança.

Imagine que nossas duas mulheres concordem com o Ramsey Colloquium no que tange a seu desafio às políticas do "estilo gay de vida". Como o Colloquium, elas acreditam que a revolução sexual corroe os valores familiares. Elas abominam a prevalência da pornografia e o gradual afrouxamento que a pornografia representa. Elas estão indignadas pela promiscuidade na televisão em horário nobre, e elas são cautelosas sobre o que o que convem à sua pequena menina assistir. Eles acreditam que noções abstratas de liberdade de expressão distorceram a forma pública, e geralmente, pelo menos em termos de questões morais, elas se acham no lado conservador do típico conservador-liberal modo de vida. Nossas duas mulheres vivem fielmente na união delas; elas se comprometeram a um pacto permanente; e elas dão o melhor que tem para criar a criança e apoiar sua comunidade na educação e na criação da criança. Elas acreditam fortemente na dignidade da orientação sexual que adotaram, mas, para tornar a questão ainda mais difícil para o Colloquium, destaco que elas se encantam assistindo os óbvias paqueras da filha delas com os meninos. Elas não são homossexuais que supostamente consideram a orientação delas uma causa para converter outros. A menina faz normalmente sua lição de casa de matemática, joga futebol, estuda piano, e compartilha passeios com os vizinhos, tudo isso faz parte integrante da vida delas. A vida que elas sustentam e as práticas que elas endossam publicamente quase não tem nada a ver com aquilo a que o Ramsey Colloquium se refere no que diz respeito ao estilo de vida gay. Elas vivem um vida plena fazendo aquilo que é expresso pelo paradigma do matrimônio, e elas fazem o seu melhor para fortalecer tais práticas na comuniade onde vivem. Eles contribuem para aquilo que o Ramsey Colloquium poderia chamar de tecido social do matrimônio e da família, mas quando chega a noite, elas fazem juntas na mesma cama.

Eu chamo esta relação uma anomalia porque não se ajusta nos contornos precisos da relação macho-fêmea, mas não representa um desafio ela. Na realidade, estas duas mulheres se esforçam no sustento da prática da fidelidade e da criança que cuidam, o que está associado às práticas do matrimônio. Nesse caso, então, a vida que compatilham está devidamente ajustada do lado do matrimônio na divisão que o Colloquium faz entre casamento heterossexual e «política gay». Esta colocação é certamente anômala em termos das reivindicações do Ramsey Colloquium. O Colloquium é consistente na conexão que faz entre a afirmação pública do matrimônio heterossexual e sua categorização de todas as relações homossexuais como anticonvencionais. Mas a união entre as mulheres em nosso exemplo afirma o paradigma básico e parece transgredir em desvio. À união delas falta obviamente elementos como a complementaridade macho-fêmea e a possibilidade procriativa natural, mas sua firme fidelidade, seu cuidado com a criança, e suas contribuições para com as práticas de preservação da família da comunidade se coadunam com a expectativa da rede pública do matrimônio. O Ramsey Colloquium não teria nenhuma outra opção a não ser dar boas-vindas a este par lésbico em sua posse comum dos bens comuns, mantendo uma dissonância conceitual o tempo todo sobre o jeito próprio delas. Esta troca de categoria também caracteriza as relações do par na comunidade delas. Do grupo daqueles que sustentam uma posição de princípio contra as relações gays e lésbicas, alguns acharão a relação entre nossas duas mulheres intolerável. Mas um bom número de vizinhos, os colegas de trabalho, e amigos, dirão que são em princípio contra a homossexualidade, mas que estas duas lésbicas, a Sally e a Janice, são de alguma maneira diferentes. Outros, naturalmente, não hesitarão em viver uma vida de comunhão com elas. Por que? Teorias sobre tolerância são desnecessárias. Na prática cotidiana da vida que levam em comum (por exemplo, passeando no parque, jogando peteca, e levantando fundos para os projetos), as duas mulheres e sua filha vivem entre os vizinhos e amigos como uma família que vive entre famílias. Elas compartilham modos comuns de vida, bens comuns, e metas comuns para com seus filhos.

Em suma, a meu ver, certas relações mesmo não cumprindo todos os elementos do matrimônio são, não obstante, matrimoniais. O caso mais óbvio é quando um homem e uma mulher optam por viver sem filhos. Eles continuam casados no sentido mais pleno, embora haja a expectativa de que, de uma ou de outra forma, eles contribuam com a comunidade e com as crianças da comunidade. Tais pares pouco ou em nada diferem dos demais, passando pelas mesmas dificuldades que todo mundo passa em suas relações interpessoais. Nenhum matrimônio está isento de disfunção; ainda, os matrimônios continuam sendo vitais porque o matrimônio é um conjunto de práticas que arraigam muito mais que a relação interpessoal entre cônjuges. Por práticas comuns, os pares são mutuamente sustentados dentro da rede pública do matrimônio, e esta rede também sustentará particularmente os relacionamentos gays e lésbicos. Tal ajuste entre práticas matrimoniais e homossexualidade pode eventualmente não se efetuar, dado o contraste entre práticas tradicionais matrimoniais heterossexuais e a identidade gay como foi amoldado com respeito à hegemonia da heterossexualidade e em termos das políticas de liberação. [10] No que diz respeito às relações particularmente atípicas, como a coalizão entre nosso par lésbico e o Ramsey Colloquium, elas serão vistas como anomalias. Reconhecê-las como anomalias abre caminho para a aprovação local por não entrar em choque nem com as práticas comuns nem com a regra geral no plano local, as pessoas podem perfeitamente dizer sim ao Ramsey Colloquium e sim a Sally e Janice.

É provável que o pessoal do Ramsey Colloquium se oponha aos meus argumentos alegando que eu estou evitando a questão crítica. Este par lésbico é um par lésbico, e não importa o que eles fazem para sustentar o tecido social do matrimônio, a relação delas é um endosso público à homossexualidade como opção de estilo de vida. Defendendo sua posição, o Colloquium poderia citar o fato de que a igreja e o estado não reconhecem uniões de homossexuais como uniões, embora elas existam informalmente. Há muito mérito nesta linha de argumento, não só porque o reconhecimento formal do matrimônio provê um contexto para bens comuns a ser adotado, mas também porque estabelece uma base onde se dá apoio público aos matrimônios particulares. O reconhecimento formal abre caminho para a comunidade fornecer o mesmo espaço que dá para casamentos heterossexuais, como espaço para festa e presentes de casamento, para os membros cultivar a identidade deles enquanto pessoas casadas, para compromissos comuns e contínuo apoio comunitário. Na medida em que faltam esses laços formais, o Ramsey Colloquium pode reivindicar que as uniões de homossexuais são inerentemente precárias e que provavelmente não resistirão aos desafios típicos da fidelidade e do compromisso vitalício. Mas esta reivindicação implica na questão do reconhecimento público. Os argumentos do Colloquium sobre o bem público podem prover o melhor incentivo ao reconhecimento formal de uniões gays e lésbicas. [11] O reconhecimento formal requer escolhas e compromissos e rebate a noção de que o ato de ser gay limita-se a um único (promíscuo?) estilo de vida.

Objeção dois: o ato

Se a seção anterior tratou de ideologias e vigamentos sociais, nesta seção consideraremos a seguinte questão: o jeito de ser do homossexual pode ser por si só definido como imoral? Como fizemos na seção anterior, consideraremos aqui os argumentos mais fortes disponíveis contra a permissibilidade das uniões gays e lésbicas. Estes argumentos proverão um ponto de partida para considerar a condição das nossas duas mulheres que estão criando juntas uma criança na comunidade onde vivem. Essas mulheres apresentam uma anomalia que pode ser absorvida na rede dos matrimônios? Os atos sexuais delas as mantém irreparavelmente no lado da imoralidade?

Uma declaração concisa típica da Igreja Católica Romana para julgamentos sobre expressão sexual é provida pela «Carta aos Bispos da Igreja católica na pastoral do Cuidado aos Homossexuais», emitida em 1986. Apelando pelas Escrituras mas também trazendo à tona reivindicações tradicionais e mais recentes da teologia da lei natural, a carta se concentra em Deus criando a humanidade como macho e fêmea:
Deus, em sua infinita sabedoria e amor, traz à existência toda a realidade como uma reflexão de sua bondade. Ele formou o gênero humano, macho e fêmea, em sua própria imagem e semelhança. Então, os seres humanos não são nada menos que obra do próprio Deus; e na complementaridade dos sexos, eles são chamados a refletir a unidade interna do Criador. Eles fazem isto de um modo notável na cooperação com ele na transmissão da vida por uma doação mútua do ego de um para o outro. [12]
Esta passagem curta traz consigo importantes temas teológicos. Deus forma uma imagem e semelhança do seu próprio ser divino em macho e femea. Mas esta semelhança somente não é nenhuma imagem em macho e femea; é expressa na complementaridade dos dois sexos que, juntos, refletem a unidade de Deus. O homem ou a mulher isolados não fornecem uma imagem completa. Parece seguir, então, que dois, dez, ou cem homens, na medida em que vivem juntos, talvez em uma comunidade religiosa, não refletem a unidade interna do Criador de uma forma melhor do que um ser humano apenas. São requeridos homem e mulher, e esta união dos dois expressa uma semelhança para com o Criador em seu mais profundo sentido, cooperando com Deus na transmissão da vida. A união homem e mulher e a transmissão da vida está intimamente conectada. Eles constituem dois fins engrenados no matrimônio.

Esta declaração sobre complementaridade macho-femea e procriação provê a base para julgamentos sobre a imoralidade de atos de homossexuais. A «Carta aos Bispos» continua:
Escolher alguém do mesmo sexo para a atividade sexual é exterminar o rico e significante simbolismo, sem mencionar as metas, do desígnio do Criador. A atividade homossexual não é uma união complementar, capaz de transmitir vida; e assim contraria a chamada a uma vida na forma de auto-doação que o Evangelho diz que é a essência da vida cristã. Isto não significa que homossexuais não sejam freqüentemente generosos em doar a si mesmos, mas quando eles se ocupam da atividade homossexual eles confirmam dentro deles uma inclinação sexual desordenada que é essencialmente auto-indulgente. [13]

Neste argumento contra o ato homossexual, é importante notar que a Carta assegura que todas as uniões macho e fêmea são uniões de auto-entrega ou além da repreensão simplesmente porque elas são heterossexuais. Além disso, a Carta estabelece que o ato homossexual, por não ser heterossexual, necessariamente viola o desígnio do Criador e expressa uma tendência egoísta para a uniformidade em lugar da complementaridade do outro. O ato homossexual, então, é imoral de acordo com a estrutura do próprio ato. Os atos heterossexuais são julgados na contexto-fidelidade que lhes é particular, compromisso, mutualidade, e livre participação. Ao passo que o ato homossexual é imoral em si mesmo. A «Carta aos Bispos» reconhece a possibilidade da orientação homossexual como uma tendência ou inclinação egoística de escolha deliberada. [14] Mas vê a expressão desta orientação tida como desordenada no próprio ato sexual. A Carta insere uma visão incomum de natureza antinatural. A orientação não é meramente uma tendência psicológica mas um aspecto indelével da identidade de alguém. Os homossexuais não tem culpa pela orientação constitutiva que lhes é inerente, no entanto, são um fracasso moral na medida em que decidem agir de acordo com essa constituição.

A despeito das dificuldades em termos da natureza da orientação sexual, os argumentos da Carta são efetivos. O propósito procriativo do casamento e a noção da complementaridade macho-fêmea que claramente exclui a permissibilidade do ato homossexual. O fim procriativo poderia parecer ser decisivo em si mesmo, mas de um ponto de vista de gestação, os atos sexuais de homossexuais ou lésbicas estão no mesmo plano dos atos heterossexuais após a menopausa ou com esterilidade. Como destacamos acima, a esterilidade dos pares heterossexuais não impede participação no fim procriativo do matrimônio, para atingir esse fim eles podem adotar ou apoiar uma criança. Esta participação também poderia ser executada por homossexuais ou pares lésbicos: então, a complementaridade macho-femea, em vez de procriação, provê um delineamento mais claro entre atos hetero e homossexuais.

A complementaridade macho-femea, pelo menos em seu uso atual, é uma inovação na compreensão da união conjugal. Documentos recentes como a Constituição Pastoral do Vaticano II na Igreja do Mundo Moderno, e Gaudium et Spes, não fazem nenhuma menção disto. Gaudium et Spes chega a algo que poderia ser considerado uma insinuação à complementaridade, mas não declara o princípio completamente. Para meus propósitos, não importa se o princípio é explícitado ou assumido. O que importa é se essa noção de complementaridade tem ou não uma função definitiva. Gaudium et Spes introduz o tema da relação entre macho e femea no contexto da discussão da humanidade criada à imagem de Deus. A Constituição afirma que «Deus não criou o homem como um ser solitário. Pois desde o princípio 'macho e femea ele os criou' (Gen 1:27). A companhia deles produz a forma primária de comunhão interpessoal. No íntimo da natureza deste homem está um ser social, e se não se relacionar com os demais ele não poderá viver nem desenvolver seus potenciais. [15] Gaudium et Spes enfatisa o fato de que os humanos foram criados como seres sociais. O fato de terem sido criados como macho e fêmea é usada como exemplo paradigmal, mas tal exemplo não exclui conceber outros modos da natureza social da humanidade. Quando o documento expõe o amor conjugal e a santidade do matrimônio mais adiante, começa com a reivindicação de que «a sociedade íntima da vida matrimonial e amorosa foi estabelecida pelo Criador e qualificada por suas leis», mas a encíclica nesse ponto não entra em detalhes. [16] Em vez disso, desenvolve temas de amor interpessoal, auto-entrega mútua, fidelidade, a fertilidade matrimonial, e a harmonia necessária entre procriação e união conjugal (construindo um caso contra os meios artificiais da contracepção). O laço inseparável entre união matrimonial e procriação torna o desenvolvimento da complementaridade macho-femea desnecessário. A noção da complementaridade não tem uma função substantiva na encíclica.

Mas a complementaridade assume um papel proeminente quando afloram outros assuntos, particularmente discussões de contracepção, homossexualidade, e a igualdade das mulheres. O papel da mulher, de acordo com Philip Keane em seu livro Sexual Morality: A Catholic Perspective, é fundamental no delineamento de um quadro claro da sexualidade humana. Para ele, a idéia da complementaridade macho-femea é uma característica crítica da sexualidade porque expressa a visão de que os homens e as mulheres são diferentes, e que tais diferenças são fonte de uma união social única e de contribuições interpessoais para a realização humana.. [17] Além disso, a complementaridade oferece um modo de sustentação ao esboço geral da visão tradicional eclesiástica do matrimônio enquanto, ao mesmo tempo, realça o aspecto do fim unitivo como algo autônomo, quer dizer, com um fim bom em si mesmo. Até este século, o fim unitivo foi negligenciado ou obscurecido pelo fim procriativo dominante. [18] Keane interessa-se em situar um firme pacto entre marido e mulher no plano da procriação. Fazendo isso, ele enfatiza bens interpessoais do matrimônio e chega ato tema da contracepção com mais amplitude do que o modelo da procriação. Realçando a união conjugal faz com que as condições para a complementaridade se tornem decisivas na identificação dos bens essenciais e internos dessa união.

Igualmente, lidando com a homossexualidade, a complementaridade torna-se crucial quando o fim procriativo é colocado em segundo plano. Um exemplo bom desta estratégia é encontrado em Homosexuality: The Test Case for Christian Sexual Ethics de James Hanigan. Onde Hanigan parte da visão procriativa e busca estabelecer os valores matrimoniais principalmente em termos da união entre o marido e esposa. [19] Ele sustenta que matrimônio é amor compartilhado, expresso como vocação, ou seja, modo de vida e serviço à comunidade, que tem sua expressão básica de unidade na diferença em relações sexuais. A relação sexual faz com que duas pessoas se tornem uma só carne; os laços entre marido e esposa expressam um modo novo de vida, e gera vida se, de fato, uma criança for concebida. A unidade na diferença em relações sexuais é fundamentada na complementaridade macho e femea, uma inter-relação que pares do mesmo sexo nunca alcançarão. A complementaridade, então, torna-se chave para os argumentos de Hartigan contra as uniões de homossexuais. Ele concorda com os oponentes dele que sustentam que uma relação gay ou lésbica pode ser amorosa, terna, vigorosa e duradoura. Mas ele mostra que tal união não expressa o núcleo sexual de unidade-na-diferença. Então, à relação gay falta a complementaridade que é a base que simboliza e que constitui a comunidade humana. [20] Como o título dos livros sugerem, seus argumentos contra a homossexualidade serão entendidos em geral como um caso teste para a compreensão da sexualidade humana em geral. Neste sentido, a complementaridade macho-femea é uma inovação --- introduzindo como que uma medida substitutiva contra a homossexualidade.

A complementaridade é uma espécie de inovação que se ajusta com a tradição de tal forma que presume que ela sempre foi a conceitualização no que diz respeito à relação macho femea. Aqui, é importante apresentar um contraste histórico. Thomas de Aquino, por exemplo, assegura que homens e mulheres têm funções diferentes na manutenção de uma casa. A casa é o local para a diferenciação deles porque Thomas assume que a perfeição da ordem social ou civil pode e deve ser sustentada por relações entre homens. [21] Ele não concebe que a perfeição da natureza inclui a diversidade dos sexos, [22] mas ele explica que a criação das mulheres diminui em vez de aumentar a noção dacomplementarïdade. «Foi dito a nós», diz ele, «que a mulher foi feita para ajudar o homem. Mas ela só presta mesmo para gerar de crianças, porque os demais homens provaram ser mais efetivos em tudo o mais». [23] Qualquer visão de complementaridade encontrada aqui é uma função do fim procriativo e certamente não é o conceito adotado por Keane e Hanigan.

A complementaridade macho-femea acentua o caráter físico do relacionamento heterossexual, mas também introduz uma reivindicação sobre bens sociais que diferem do foco tradicional da procriação. Para Thomas, o benefício social de uma relação entre homem e mulher é a procriação. Não obstante, a procriação não é suficiente para prover os contornos da expressão sexual apropriada. O matrimônio é o contexto. Até mesmo para Hanigan, meras relações sexuais entre um homem e uma mulher não é o contexto normativo para a complementaridade. Uma vez mais, o matrimônio é. O caráter físico da complementaridade macho-femea só é considerado uma expressão de união desinteressada, socialidade, e auto-doação mútua quando um pacto fiel, firme, e de auto-entrega foi formado. A complementaridade macho-femea não produz benefícios matrimoniais, é produzida por eles. Então, complementaridade é uma inovação que serve perfeitamente para conceitualizar determinados benefícios do matrimônio heterossexual, mas há o perigo de permitir que a estrutura macho-femea do ato sexual abarque o significado do matrimônio como um todo. Complementaridade não tem uma função quando são feitos os julgamentos habituais sobre atos sexuais. Tais atos são consensuais? Fieis? No contexto do pacto? Nestas questões, a complementaridade macho-femea é ociosa. Hanigan está equivocado quando tenta elevar uma complernentaridade virtualmente obscura a um patamar chave à ética sexual. No nível social, há o perigo adicional em elevar as diferenças sexuais acima de outras distinções que poderiam dividir ou aperfeiçoar a comunidade humana ou, mais particularmente, a igreja. A igreja é enriquecida por uma diversidade de dons e vocações através dos quais todos contribuem para a plenitude da vida comum. Ser macho ou fêmea nunca é tido nem como vocação nem como dom do Espírito.

Esta seção começou com um foco no próprio ato homossexual como uma violação dos bens de procriação e complementaridade macho-femea. Ainda, a discussão subseqüente sublinhou o ponto de que o ato sexual em si é moralmente inteligível quando compreendido dentro de um contexto mais amplo do matrimônio. A estrutura do ato sexual não é determinado pelo ato físico em si mas por intenções e circunstâncias internas ao ato como um ato moral. Este contraste entre reivindicações sobre o ato físico em si e dependência em um contexto mais amplo cria um espaço onde certas uniões de homossexuais poderiam ser vistas como anomalias. Os atos homossexuais claramente fixam as uniões gays e lésbicas aparte da norma heterossexual. Mas determinadas uniões homossexuais que são fiéis, firmes e produtivas do bem público chegam bem perto da rede de bens sustentados por práticas de fidelidade, paternidade e maternidade. Extendendo o ato em si para um contexto mais amplo, algumas uniões homossexuais cobrirão a linha que divide seus atos não-heterossexuais de contribuições positivas às práticas matrimoniais. Determinados relacionamentos gays e lésbicos funcionarão menos como encontros sexuais extramaritais e mais como casamentos.
Veja como o Humanae Vitae define amor conjugal:

Este amor é total, quer dizer, é uma forma muito especial de amizade pessoal na qual o marido e a esposa generosamente compartilham tudo, sem fazer reservas ou cálculos egoístas... Este amor é fiel e exclusivo até a morte... E finalmente, este amor é fecundo, e não se esgota na comunhão entre marido e esposa, mas é destinado a continuar, levantando novas vidas... [24]
Se as duas mulheres em nosso caso teste estão criando uma criança, ou se elas estiverem contribuindo com a comunidade a que pertencem, como professoras, treinadoras, e mentoras, e se elas estiverem dispostas a abrir a casa delas a crianças, e se o amor delas for total, fiel, e exclusivo, e se elas revelam o compromisso de estarem unidas até a morte, elas representarão uma dificuldade para aqueles que são rápidos em considerar o relacionamento delas apenas em termos de atos homossexuais imorais. As duas mulheres celebram os atos delas de uma forma plenamente justificáveis diante das práticas que tornam o matrimônio heterossexual não procriativo justificável. Com a proximidade delas do paradigma normativo, é fácil entender por que a complementaridade macho-femea funciona apenas como um tema importante para os argumentos contra as uniões de homossexuais. O entrincheiramento na complementaridade foi o modo encontrado para evitar este caso anômalo: o par lésbico que não se ajusta nos contornos de heterossexualidade mas que claramente se conformam às práticas do matrimônio. A anomalia não altera a visão normativa do matrimônio, mas requer julgamento sobre como categorizar o caso particular. Neste sentido, nossa consideração do ato homossexual repete a questão básica levantada enquanto lidávamos com a defesa que o Ramsey Colloquium faz do bem público. Qual é a resposta apropriada quando as uniões do mesmo sexo sustentam o matrimônio muito mais do que promovem o ato homossexual? Determinados casais gays e lésbicos apresentarão anomalias ao modo cristão de vida no que diz respeito ao matrimônio e as relações sexuais, e em um nível local, as comunidades lidarão com este tipo de anomalia acatando casais do mesmo sexo como família entre famílias.

Objeção Três. Escrituras

Esta seção procederá como as duas anteriores. Começa com argumentos fortes sobre padrões convencionais de expressão sexual, mas indica onde eles falham. A complementaridade é uma dessas inovações que quase sempre se ajustam à tradição enquanto modo de conceitualizar relações macho-femea. Aqui, é importante destacar um contraste histórico. Tomas de Aquino, por exemplo, assegura que uniões entre homossexuais e lésbicas estão ligadas ao contexto das práticas que sustentam e são sustentadas pelo casamento. A trilha a seguir, então, é o modelo bíblico do matrimônio heterossexual. A passagem chave que é usada para justificar o modelo está no primeiro capítulo de Gênesis, I Coríntios 7, e passagens como Colossenses 1:18, «esposas, estejam sujeitas a seus maridos». O texto de Gênesis, «... macho e femea ele os criou. Deus os abençoou, e disse a eles, 'cresçam e multipliquem-se...'» (1:76-7), é usado tanto por aqueles que focalizam a finalidade procriativa do matrimônio como também por aqueles que consideram essencial a complementaridade macho-femea. Em I Coríntios 7 Paulo dá instruções sobre vantagens e desvantagens do matrimônio. Estes ensinos, de acordo com a interpretação padrão, oferecem um computo completo da relação homem-mulher na união conjugal. [25] O texto de Colossenses, junto com outros como Efésios 5:21--33, não só solidificam a norma do matrimônio heterossexual como também formulam uma questão ao mundo cristão: é essencial para a união a presença de uma hierarquia baseada no gênero? Aqui, os clamores sobre a complementaridade macho-femea alcançam um patamar sócio/funcional. De uma forma ou de outra, o matrimônio entre homem e mulher é entendido como a forma bíblica da expressão sexual. São excluídos os atos homossexuais.

Apesar da heterossexualidade tornar-se a interpretatação padrão do ponto de vista bíblico, as relações macho-femea foram amoldadas em uma variedade de modos. Logo após a narrativa da criação em Gênesis, deparamos com a poligamia e o concubinato como práticas comuns, e com as mulheres, em geral, sendo consideradas objeto de proteção ou de troca entre os homens. Deparamos com o código sagrado em Levítico 18 pressupondo relações heterossexuais e explicitamente proibindo «homens deitar com homens». Mas também deparamos com um conteúdo diferente e um modo distinto de organizar aquilo que hoje chamamos de ética sexual. É correto aceitar o código bíblico que proibe atos homossexuais? Não. E quanto ao incesto? Não. E quanto ao direito de um homem ser proprietário de uma mulher? Não. Com o tempo reinterpretamos o incesto, moldando-o como uma forma perniciosa de posse, domínio, e abuso. E quanto a situar as relações sexuais durante a menstruação ao mesmo nível do adultério, da bestialidade, e do sacrifício de uma criança a Molech (Lev. 18:19-23)? Não, também não é correto. Isso significa que mantemos algumas proibições ao mesmo tempo em que reorganizamos outras. O código sagrado conceitualiza as relações sexuais de uma forma diferenciada. Elas estão baseadas em categorias de discriminação que não são usadas quando os cristãos formulam sua ética sexual, categorias como contaminação, por exemplo, para evitar a mistura de grupos (especialmente em relação ao «potencial poluente feminino»), nega a associação com a prática do culto idólatra, e -- no caso do adultério -- para proteger os direitos de propriedade coletiva. [26] Tipicamente, tais formas de organizar a sexualidade foram negligenciadas quando o Gênesis ou os códigos sagrados foram ordenados, visando defender o matrimônio contra a homossexualidade..

O mesmo é verdade no que diz respeito aos apelos paulinos. Poucos dos intérpretes de Paulo enfatizam o fato deste, em I coríntios 7, encorajar homens e mulheres, especialmente mulheres, a não se casar. O celibato é preferido, enquanto que o casamento é recomendado apenas para aqueles que não tem o dom da vida solteira. É igualmente provável que os intérpretes, em suas discussões matrimoniais e procriativas,citem Paulo sem se dar conta de que o apóstolo nunca fez qualquer conexão entre esses dois temas. Alguns intérpretes poderiam atribuir esta omissão à iminente escatologia de Paulo. Mas se o iminente final dos tempos não elimina a necessidade do matrimônio, por que o dom de ter filhos seria menos significante? Por que não gerar mais vidas para povoar o reino? Finalmente, em seus comentários sobre matrimônio, Paulo encoraja o amor mútuo. Por que, em Efésios 5, o autor conclama o marido a amar sua esposa, mas recomenda à esposa sujeição e respeito para com o marido dela? (versos 21-33). A reciprocidade é assimétrica. Novamente, com tais questões não se pretende aqui descaracterizar o testemunho bíblico do casamento, mas lembrar que alguns modos diferentes de conceitualizar a atividade sexual também estão presentes na Bíblia.

As relações macho-femea são o paradigma, e determinados atos sexuais são proibidos. Estes pontos estão claros. Mas a visão cristã (ou visões) do matrimônio não pode ser localizada em uma ou outra passagem bíblica apenas. Na realidade, tais visões do matrimônio dependem mais de textos que não tratam do matrimônio ou de éticas sexuais do que de textos onde tais temas são explícitos. Note, por exemplo, a prática contemporânea de usar o discurso de Paulo sobre o amor em I Coríntios 13, como um texto para cerimônias de casamento. «O amor é paciente; o amor é bondoso...» (v. 4) soa aos ouvidos da noiva e do noivo como um testemunho do amor duradouro que se encarna no matrimônio deles. Mas o próprio texto de Coríntios situa o amor em outro contexto, na continuidade da vida da igreja, dos dons espirituais, e de sua vida como um único corpo. O matrimônio não é nem mesmo mencionado como um contexto para este amor. Os textos que tratam do matrimônio explicitamente são secundários, até mesmo quando procuramos guias para o matrimônio em si. O matrimônio é um conjunto de práticas que emerge de vocações, mandamentos, temas da Bíblia, e da continuação da vida da igreja como um todo. Nenhum único texto dá forma ao matrimônio. Os temas básicos da Bíblia, as práticas matrimoniais, e as práticas da comunidade cristã, todas essas coisas funcionam como guia na leitura de textos particulares, que revelam o caráter do amor e do matrimônio.

Esta relação entre Bíblia e matrimônio revela dois pontos significantes para nossa discussão da homossexualidade. Primeiro, em contraste com o matrimônio, as discussões da homossexualidade são dominadas pela evidência de textos específicos. Segundo, a orientação sexual é um vigamento conceitual que os intérpretes usam para verificar o que vários textos têm a dizer sobre a homossexualidade, mas o próprio vigamento em si não é baseado na Bíblia. Os códigos sagrados situam os atos sexuais de uma maneira, enquanto que Paulo ou os filósofos gregos situam de outra. Portanto, nenhuma concepção de orientação sexual moderna pode recorrer a este ou aquele aspecto como constitutivo de sua identidade. Quer dizer, a Bíblia é clara sobre sua desaprovação a determinados atos sexuais, mas isso não descarta a idéia da orientação. Um objeto que gera desejo não é considerado primariamente a fonte deste desejo (quer dizer, as mulheres não produzem desejos em homens). No mundo helenístico, o desejo em si (em vez do objeto) é o gerador. [27]
Tais atos sexuais poderiam ser considerados impuros, excessivos, não-procriativos, ou afeminados, mas jamais seriam considerados como emergentes de uma «orientação» enganosa. O desejo de uma pessoa só pode ser compreendido diante de sua orientação, dependendo dela a questão sobre atos sexuais é lançada diferentemente. Os mesmos atos sexuais se tornam atos homossexuais na medida em que emergem de uma determinada identidade sexual.

Três passagens do Novo Testamento contêm referências a atos homossexuais, I Coríntios 6:9-11, I Timóteo 1:8-11, e Romanos 1:24-32. Todas as três incluem os atos homossexuais em uma lista de atividades corruptas, que vão desde fornicação até a embriaguez e o furto. Tal lista de vícios é usada para ilustrar um argumento principal. No texto em Coríntios, Paulo começa com uma repreensão contra aqueles que levam as queixas deles aos tribunais e usa a lista de vícios para estabelecer um contraste entre uma vida de maldade e a vida em Cristo. O texto contido em Timóteo estabelece que a lei é sem efeito para os sem lei, e a lista de comportamento corrupto é exposto nos moldes da legalidade. No primeiro capítulo de Romanos, a lista de pecados faz parte do argumento de Paulo de que, como tanto gentios como judeus são culpados de pecado, a graça de Deus é oferecida a ambos. Em todos os três textos, as listas de vícios não são questões de contenda. São detalhes que sublinham os pontos principais e, para que eles funcionem como pontos ilustrativos, são usados mais em termos de significado e impacto retórico do que como argumentos. Como resultado, as poucas referências aos atos homossexuais no Novo Testamento são desenvolvidas não como argumentos, mas como simples declarações.

A lista de vícios em I Coríntios 6:9-11 usa os termos malakoi e arsenokoitai, ambos considerados referências a atos homossexuais. Mas o significado destes termos não está completamente claro. Eles são traduzidos pela American Bible Society (Today's English Version, 1936) como pervertidos homossexuais, enquanto que a Revised Standard Version (1971) como pervertidos sexuais, e a New Revised (1989), como prostitutos masculinos e sodomitas. Os termos se referem tanto a pederastia (macho efeminado, passivo, e uma contraparte ativa, masculina) como à prostituição masculina. Em ambos os casos, malakoi e arsenokoitai não se referem à homossexualidade em geral, mas à pederastia ou prostituição no mundo antigo. Arsenokoitai também é usado em I Timoteo 1:8-11, e seu uso junto com pornoi (fornicadores ou prostitutos machos) e andrapodistai (traficantes de escravos) sugere um significado semelhante ao usado em I Coríntios 6. [28] Novamente, as condições não identificam uma orientação homossexual, mas determinados atos que poderiam ser chamados abusivos e imorais, não necessariamente homo ou hetero-sexuais.
Romanos 1:18-32 apresenta o caso mais controverso. O texto é uma tentativa de Paulo (Rom. 1-3) colocar judeus e gentios no mesmo nível em termos de pecado e graça. O primeiro capítulo de Romanos começa revelando a culpa do gentios. Embora não estivessem sob a lei do Torah, eles não tinham nenhuma desculpa para desonrar a Deus porque Deus pode ser conhecido pela criação. Os gentios, não obstante, adoravam criaturas, imagens de pássaros e répteis, em vez do Criador. Paulo repetia que eles não tinham nenhuma desculpa. A condenação dele se desdobra em uma ladainha sobre os corações endurecidos do gentios. Eles voltaram as costas a Deus e se perderam. Uma seção desta ladainha se refere a atos homossexuais:

Esta é a razão pela qual Deus os abandonou, deixando-os cometer todas essas ações pecaminosas, a tal ponto que até suas mulheres se voltaram contra o plano natural que Deus tinha para elas e cederam aos pecados sexuais entre elas mesmas. E os homens, em vez de terem relações sexuais normais cada qual com sua mulher, arderam em paixão uns pelos outros, homens praticando coisas vergonhosas com outros homens e, como resultado disso, receberam a paga em suas próprias almas com o castigo que bem mereciam. (26-7)

Ao contrário dos textos de I Coríntios ou I Timoteo, esta passagem não insinua nenhuma prática particular (a prostituição, por exemplo), e contrasta o caráter degradante dos atos com o que é natural. O texto parece insinuar que o ato homossexual em geral é licencioso, e parece dar uma explicação da razão disso. São contrários à ordem criada.

Uma interpretação de «contra a ordem da criação» é desenvolvida por Richard Hays. [29] Ele concorda com outros intérpretes que a referência de Paulo aos atos homossexuais é apenas uma ilustração do ponto principal. A observação principal é tornada explícita em romanos 3:21, onde Paulo anuncia que a redenção de todos, tanto pagãos como judeus, passa por Jesus Cristo. Para tornar esta observação clara, Paulo descreve a deslealdade, primeiro dos gentios e depois dos judeus. Nenhum dos dois é íntegro em seu próprio mérito, e ninguém, particularmente os judeus, não tem nada com o que se orgulhar. Tanto o pagão como o judeu são justificados apenas pela graça.

A passagem que condena atos homossexuais faz parte da seção, Romanos 1:18-2:16, que funciona como uma condenação aos gentios e como uma introdução para criticar o orgulho judeu enquanto povo da lei. Os gentios são criticados profundamente. Então Paulo volta-se contra os judeus. «O que dizer sobre vocês?» ele pergunta em Romanos 2:17. «Você se chama judeu, confia na lei e ostenta seu relacionamento com Deus». Que desculpa podem dar os judeus quanto à sua própria deslealdade? Os judeus não têm nenhuma desculpa, da mesma maneira que os gentios. A referência de Paulo aos atos homossexuais funciona como parte da introdução retórica. Primeiro, Paulo «incita seus ouvintes 'judeus' a acenar seu de acordo com esta acusação judia tradicional da corrupção pagã...».. [30] Então ele se volta contra os judeus. «Vocês tem a lei, mas vocês são tão ruins quanto eles».

A referência de Paulo aos atos homossexuais, de acordo com Hays, é uma ilustração que se ajusta dentro desta progressão retórica. Mas quando Hays explica o impacto da ilustração, ele sai da referência aos pecados, à idolatria e à fraude dos gentios, para uma conclusão sobre a pecaminosidade humana em geral. Hays sugere haver aqui uma ligação com a narrativa da criação do Gênesis.

A referência a Deus como criador evocaria em Paulo, como também em seus leitores, lembranças imediatas da história da criação narrada em Gênesis 1-3 que proclama: «Deus criou o homem na própria imagem dele... macho e femea os criou» e «multipliquem-se, encham a terra» (Gen. 1:27-28). Assim na complementaridade macho e fêmea é determinado um fundamento teológico na atividade criativa de Deus. Assim, a escolha de Paulo da homossexualidade como uma ilustração de depravação humana não é meramente fortuita: serve aos seus propósitos retóricos por prover uma imagem vívida da rejeição primitiva de humanidade à soberania de Deus o criador. [31]
A interpretação de Hays parece convincente. O ato homossexual mostra que a humanidade é corrupta e justamente condenavel.

Todavia, apesar de sua clareza, há algumas dificuldades no argumento de Hays. Primeiro, notamos que ele tira uma conclusão sobre o que Paulo e seus ouvintes estariam pensando, ao mesmo tempo em que tenta olhar as coisas do ponto de vista das declarações explícitas de Paulo. Segundo, sua tentativa de conectar as declarações explícitas de Paulo com uma referência situada em Gênesis 1-3 torna-se um problema na medida que assumirmos tal conclusão como o fracasso da natureza humana em geral. [32] Tal conclusão implica em que Hays desenhou a estratégia de Paulo sobre seus leitores. O apelo de Hays à estrutura macho-femea da sexualidade é indisputável ao ponto de ser impossível Paulo ter imaginado o oposto. Mas, em Romanos 1:18, Paulo faz suas observações relativas ao fracasso, não apenas dos judeus, mas também daqueles que dependem do conhecimento de Deus como criador, isto é, os gentios.

Robin Scroggs, em The New Testament and Homosexuality, dá um argumento mais consistente, na medida em que sustenta que os versos em Romanos 1:26-7 tem força retórica não por trazer consigo um apelo à criação mas por lançar por terra uma acusação muito comum que os judeus helenísticos lançavam contra os gentios. Ele destaca que Paulo, ao condenar a pederastia, coloca estóicos e judeus helenísticos no mesmo nível, e estabelece uma crítica ao mundo grego em seus próprios termos. Além disso, Scroggs destaca que a condenação dos atos homossexuais é uma referência direta a práticas contemporâneas, não um comentário abstrato sobre ordenação macho-femea na criação. «Paulo pensa apenas em pederastia... [porque] não havia nenhuma outra forma de homossexualidade masculina no mundo greco-romano que pudesse ser notada». [33]

Em suma, Scroggs concorda com Hays sobre os temas (pecado e graça) em Romanos mas discorda com relação à conclusão de Hays sobre Gênesis 1-3. A condenação de Paulo aos atos homossexuais funciona como ilustração da diferença entre judeus e pagãos não da queda da humanidade em geral. Idolatria, corrupção sexual, e outros males mencionados no primeiro capítulo de Romanos são modos pagãos de vida para os quais os gentios não têm nenhuma desculpa. Do ponto de vista do judeu, a diferença entre gentios e judeus poderia ser motivo de orgulho para os judeus, mas Paulo mostra que ambos são culpados de um modo diferente. Scroggs coloca a prática homossexual dentro do contexto histórico vivido por Paulo, ou seja, a condenação de Paulo aos atos homossexuais restringe-se às práticas particulares do mundo grego. Scroggs não nega o fato de Paulo condenar todos os atos homossexuais dentro de sua esfera. Mas ele mostra tal condenação como uma convenção não como uma disputa controversa. Mas Scroggs nega haver aqui a presença de um argumento teológico para uma condenação da homossexualidade em geral.

A noção da homossexualidade em geral traz consigo o problema da orientação homossexual. Scroggs argumenta que Paulo não aborda a questão dos homossexuais, especialmente aqueles que, hoje, se envolvem em relações fiéis, permanentes, de amor e de serviço à comunidade. Este tipo de relação não fazia parte do mundo de Paulo; então, é um erro generalizar sobre a orientação homossexual a partir da desaprovação de Paulo à pederastia. Uma abordagem semelhante à questão da orientação é detalhada por John Boswell, que sustenta que quando Paulo condena atos homossexuais, tal condenação não se aplica a pessoas com orientação homossexual. A tese de Boswell é que Paulo se refere aqueles que dão meia volta e abraçam uma paixão antinatural pelo mesmo sexo, quer dizer pessoas que tiveram uma orientação heterossexual natural desde o começo. [34] Então, homossexuais não estariam violando as suas próprias naturezas. [35] Com respeito a Boswell, Richard Hays argumenta que «natureza» para Paulo insinua uma teologia da ordem criada. [36] Como vimos nós, a reivindicação de Hayes é discutível. Mas mesmo se aceitassemos sua precisão, a questão da orientação continua sem solução.

A teologia de Hays da ordem criada cai por terra no momento em que a orientação sexual é compreendida como característica intrínseca da identidade de uma pessoa, ou seja, algo que não vem nem por escolha nem por coerção. A orientação é simplesmente uma condição. As pessoas se descobrem orientadas para parceiros do mesmo sexo ou do sexo oposto. Neste ponto, tanto Hays como Boswell têm razão. Paulo assume o relacionamento macho-fêmea como natural (Hays), mas ele não considera a situação onde pessoas se acham definitivamente orientadas pelo mesmo sexo (Boswell). Não passa por sua cabeça a possibilidade de dois iguais (em termos sociais, etários, ou de gênero) juntos em uma união sexualmente íntima (Scroggs). Se existisse essa relação sexual igualitária no mundo antigo ninguém iria perder tempo falando da pederastia ou do relacionamento macho-femea. Embora a orientação sexual seja um anacronismo, ela é assumida por Scroggs, Boswell e Hays. Qualquer consideração que aborde homossexualidade não pode evitar a «orientação» porque é aí que está a homossexualidade: na orientação constitutiva.

Uma vez pressuposta a «orientação», o texto de Romanos fica ambíguo. Talvez se abra uma brecha para uma consideração sobre nosso caso anômalo. A noção de uma orientação homossexual requer que aqueles que condenam a homossexualidade façam uma distinção entre disposição homossexual inocente e atos e escolhas censuráveis. É a orientação que determina se o ato é censurável ou não. O ato homossexual pode ser inocente naqueles que tem uma orientação homossexual e é censurável naqueles que tem uma orientação heterossexual. Há inocência no primeiro caso e culpa no segundo. Aqui, estamos diante de uma distinção que não é estranha para Paulo em Romanos 1. A orientação sexual não é uma escolha, mas Paulo indica que os gentios estão condenados precisamente por causa das escolhas deles. Os gentios deram meia volta, saíram do caminho natural. Por esta razão, pela orientação sexual homossexual não ser algo permutável ela não se enquadra entre os atos condenados por Paulo. A condenação de Paulo aos atos homossexuais entre os gentios como imagens claras da desobediência pagã, não significa uma condenação à orientação homossexual entre crentes e não-crentes. Em outras palavras, a mera orientação não provê a imagem de uma pessoas que resolveu se afastar de Deus.

Qual orientação gera desobediência, a homo ou a heterossexual? Em termos de orientação tal questão é um total contra-senso. Quem fez a opção correta, os judeus ou os gregos? Em termos de atos e escolhas ambos falharam completamente. O fato notável sobre a orientação homossexual é que não possui limites. A orientação sexual não pode ser afiançada nem prevenida pela criação ou por uma linhagem hetero ou homossexual. Pais heterossexuais tem crianças homossexuais; pais homossexuais criam crianças heterossexuais. Estas verdades são tão empiricamente fundamentadas para nós como os atos homossexuais entre os gentios foram para Paulo. O simples uso ilustrativo que Paulo faz desses mesmos atos sexuais não traduz a orientação homossexual. O que é fundamental para Paulo é a teimosia de um povo, os gentios.

A natureza involuntária da orientação sexual requer uma troca de categoria, não apenas em termos de Romanos mas também em termos das formas tradicionais de entender disposições e atos. Considere a ganância como um exemplo representativo. Atos de ganância são imorais, a disposição censurável, e todas as pessoas são suscetíveis a ambos. Diante da consistência da culpa, oportunidade, e universalidade, a ganância não é uma analogia apropriada à homossexualidade. Todavia, enquanto quase que todo mundo é inclinado à ganância a orientação deles não constitui nenhuma falta. Ao passo que gays e lésbicas, enquanto pequena minoria, tem seus atos tipicamente considerados censuráveis. Diferentemente do pecado da ganância, a orientação homossexual apresenta uma inconsistência entre a disposição e o ato. A disposição para a ganância será ampliada, será diminuída, ou será eliminada em relação aos atos da pessoa no que diz respeito ao vício ou à virtude. Mas não há nenhuma evidência de que atos heterossexuais inverterão uma orientação homossexual, ou vice-versa. Em termos de orientação sexual, a disposição conduz a atos, mas tais atos não amoldam a disposição. A orientação sexual, em si mesma, não é uma virtude a ser cultivada ou um vício a ser negado. É o que é. A analogia tradicional de pecado não segura. [37]

Comparando homossexualidade com disposição para virtudes ou vícios, será que o alcoolismo seria uma boa analogia? Há quem peça para pessoas com orientação homossexual se abster de praticar atos sexuais com o mesmo sexo, da mesma maneira que se pede aos alcoólicos se abster de consumir bebida alcoólica. Mas esta analogia é inteiramente falha já que o ato em si, de consumir bebida alcoólica, não é considerado um problema para os não-alcoólicos. O que está em jogo aqui é a disposição, não o ato -- enquanto que no caso da homossexualidade assume-se o inverso. Se essa analogia fosse válida, então as únicas pessoas que não deveriam praticar atos homossexuais seriam as pessoas com orientação homossexual. Heterossexualis seriam livres para praticar atos homossexuais -- o que não constitui uma solução satisfatória para nenhum dos lados em questão. [38] Therefore, analogies with dispositions like alcoholism also fail.

Outra analogia, usada pelos defensores da homossexualidade, compara orientação sexual com preferências políticas, como pertencer à direita ou à esquerda. [39] A analogia é apropriada na medida em que gays e lésbicas, da mesma forma que esquerdistas, constituem uma minoria que não escolhe suas inclinações. A analogia também se ajusta na medida em que vivemos em um mundo de direita, usando o poder e o privilégio como usamos tesouras ou abridores de lata. Mas a analogia é inadequada porque trivializa nossas lutas morais com homossexualidade, como se a questãi fosse moralmente indiferente. Uma pessoa de esquerda pode ser treinada a usar a direita sem efeitos doentios ou tensões contínuas com tendências da esquerda. O mesmo não pode ser dito da orientação sexual da pessoa. Além desta assimetria, a analogia da esquerda demanda assuntos difíceis. Um esforço em dizer que a sexualidade é tão moralmente neutra quanto o uso da esquerda ou da direita por alguém diminui os vigamentos da fidelidade e do serviço da comunidade que dão forma à força moral da expressão sexual.

Realmente, a homossexualidade se nos apresenta como uma anomalia. Tudo aquilo que é dito sobre a noção de orientação homossexual mas que sustenta todos os atos homossexuais como imorais resulta em incongruência. Primeiro, compreende-se a orientação como um determinado aspecto da identidade de uma pessoa, constitutivo, e não escolhido. A seguir, considera-se tal orientação como desordenada, inclinada para atos imorais. Finalmente, exige-se de tais pessoas desordenadas resistir às inclinações naturais delas. Com efeito, lhes é exigido na verdade é mostrar esforços e virtudes heróicas para obedecer uma orientação heterossexual que não é a sua. Paulo considerou a vida pura como um dom particular, dado apenas a alguns. É estranho que esses que consideram a homossexualidade como algo desordenado também acreditem que a este mesmo grupo de pessoas tenha sido dado a graça especial da castidade, ao mesmo tempo em que aqueles que fazem parte da população heterossexual, tidos como ordenados, não podem, na maioria das vezes, se controlar.

Esta visão é uma combinação incongruente de desespero sobre a natureza homossexual misturada com expectativas heróicas relativas às inclinações de homossexuais. Com relação aos desordenados (homossexuais) assume-se que eles tem uma capacidade para a boa ordem (castidade), maior do que aqueles que são bem ordenados (heterossexuais). Esta visão não faz muito sentido. O que faz é confundir o conceito de desejo com o conceito de orientação. Quando os heterossexuais forem puros, nós assumimos que eles aprenderam limitar seus desejos, ou os conformaram a um modo particular de vida -- todos os compromissos e amores da vida celibatária. Nós não assumimos que todos os heterossexuais serão capazes de adotar esta maneira de viver. É uma chamada e um dom particular a algumas pessoas da comunidade. Em contraste com este dom, nós vemos o matrimônio como uma estrada larga, mas ainda, como um modo conformar nossos desejos com fidelidade a Deus e serviço à comunidade.

Quando pedimos que todos os homossexuais sejam puros, tratamos com aquilo que cremos ser uma orientação irreversível, um desejo não educado, adequado a um dom ou chamada particular. Assumimos que a mesma orientação sexual é equivalente aos desejos adequados à castidade. Como resultado, não damos aos gays e às lésbicas nenhum espaço para que seus desejos sejam ensinados em santidade. Uma posição consistente assegura que todos os atos homossexuais, como todos os atos heterossexuais, não são semelhantes. Alguns atos são ordenados de acordo com a vontade de Deus e para o bem da vida comum, enquanto que outros não são. A própria orientação não é desordenada, mas pode ser desencaminhada. A castidade e dirme fidelidade no matrimônio são nossos meios típicos de ordenar nossos desejos.

Esta discussão em termos de orientação e desejo, nos remete às Escrituras. E a questão da orientação e o debate entre Scroggs, Hays, e Boswell me deixam um pouco inseguro -- por duas razões. Primeiro, pode parecer que eu estou esboçando uma teoria de orientação sexual. Mas esta não é minha preocupação. Na verdade, eu espero mostrar que há espaço para pensar em termos de nosso caso anômalo das duas mulheres que estão criando uma criança. A discussão da «orientação» indicou que os poucos textos que abordam atos homossexuais não são suficientes para julgamentos sobre todas as uniões do mesmo sexo. Claramente, são excluídos pederastia, prostituição, e outras formas de dominação e licenciosidade. Mas o que dizer sobre nosso exemplo de um par que se ajusta bem às práticas matrimoniais de uma comunidade?

Segundo, eu posso ter dado a impressão de que a Bíblia não tem nada a dizer sobre homossexualidade -- porque a análise e a discussão que eu apresentei foram dados em termos negativos. Pode parecer quue eu determinei apenas o que Paulo não disse a respeito da orientação homossexual.

Deveríamos nos lembrar que os atos homossexuais são condenados, mas que eles recebem apenas consideração leves e indiretas, de forma que um tratamento substantivo desse tópico se torna difícil. Atos homossexuais não se enquadram no quadro das preocupações importantes. Em termos positivos, o peso do testemunho bíblico sobre matrimônio aponta para a auto doação graciosa de Deus em Jesus Cristo e para a comunidade que é estabelecida pelo poder do Espírito de Cristo. A discussão da orientação só é importante porque mostra que Paulo, em Romanos 1, enfatiza as escolhas dos gentios e a corrupção que tais escolhas implicam. Na medida em que não temos escolha no que diz respeito à orientação, nacionalidade ou raça, podemos começar a assegurar mútua responsabilidade, não para nossa orientação, mas para impulsos e atos de nossos desejos e a forma de nossas relações sexuais.

A homossexualidade, como o matrimônio, deveria ser julgada por uma compreensão inclusiva da Bíblia e das práticas da comunidade cristã. Se certas uniões do mesmo sexo são compreendidas em termos de matrimônio, os textos apropriados ao matrimônio (como I Coríntios 7 e 13) ajudarão contra as discriminações em torno de atos homossexuais. O matrimônio provê um conjunto de categorias onde não se enquadram nem a complementaridade macho-femea, nem o chamado estilo de vida gay, nem as políticas da comunidade gay. Defender a homossexualidade faz tanto sentido como condená-la. As condições de homossexualidadea ou heterossexualidade não nos ajudam identificar modos de vida e relações que conformam nossos desejos ao bom desfecho que Deus deseja à comunidade humana. O pacto divino, a dádiva de Cristo, e a vida do Espírito na comunidade estabelece o padrão para nossa imitação do relacionamento cortez de Deus para com o mundo e nossa representação dos dons da sexualidade. Firme Fidelidade, reciprocidade, e amor em abundancxia não apenas marcas do Trindade de Deus mas também a forma da chamada cristã ao matrimônio. Estas são as normas bíblicas que oferecem uma consideração substantiva das relações gays e lésbicas.

Assim, a tarefa diante da comunidade cristã não é nada fácil. No exemplo chave desta composição, nosso par lésbico participa tanto das práticas de matrimônio da comunidade como para com as crianças. Elas sustentam as práticas do matrimônio e são sustentadas por elas, mas o lugar delas dentro do matrimônio não é mantido sem tensão. É por isso que eu usei a idéia da anomalia de forma a conceitualizar a situação delas dentro dos discursos morais da vida cristã. Na medida em que as práticas cristãs do matrimônio provêem meios para conformar o desejo sexual aos desejos que servem a comunidade humana e provêem uma imagem da graça e do amor dadivoso de Deus, categoria crítica (e bíblica) para julgamentos sobre homossexualidade não é nenhuma orientação em si mas o matrimônio.

Conclusão

O matrimônio é uma rede de práticas cuja esfera de influência ultrapassa o relacionamento entre duas pessoas. É um modo de vida pela qual as comunidades formam um conjunto coeso e empreendem em conjunto coisas boas para todos. Dentro desta rede, os pares gays e homossexuais em particular sustentam uma vida comum e usufruam de todas as coisas boas associadas ao matrimônio, salvo o bem procriativo do contraste simbólico entre macho e femea. Em um mundo onde o matrimônio encontra uma multidão de razões para o fracasso, faz pouco sentido impedir o sucesso e as contribuições destas uniões porque elas não cumprem todos os elementos do caso paradigmal. Aceitar uniões entre homossexuais e esperar que eles sejam mutuamente fiéis, firmes, e abertos a criar crianças não diminui a importância da norma procriativa nem depende de um ou dois argumentos nocivos. As práticas matrimoniais moldam a estrutura do ato sexual, e neste grau, nem todos os atos homossexuais são equivalentes. Reunir os mesmos pares sexuais é admitir apenas que nenhum de nossos casamentos é completo em si e que todos nós necessitamos uns dos outros (tanto casados como solteiros) de forma que teremos sucesso na medida em que conformamos nossos desejos aos caminhos de auto-entrega de Deus. Durante séculos os gays e as lésbicas vêm servindo ao bem público pares sem filhos, como solteiros ou cuidando de crianças. Os atos homossexuais devem ser escorados nas mesmas bases da auto-entrega amorosa e da fidelidade, como as relações heterossexuais, e da mesma vocação de amor e serviço encontrada na Bíblia. Isto não quer dizer que relações homo e heterossexuais são uma e a mesma coisa. Significa que nossas diferenças podem ser chamadas a uma vida comum.

Notas

[1] See Margaret A. Farley, "An Ethic for Same-Sex Relations," A Challenge to Love, ed. Robert Nugent (New York: Crossroad, 1983). pp. 93--106.
[1b] goods [Nota do Tradutor]
[2] See David F. Greenberg, The Construction of Homosexuality (Chicago: University of Chicago Press, 1988).
[3] Catechism of the Catholic Church (Mahwah, NJ. Paulist Press, 1994), § 2379.
[4] Artificial methods open a "wide and easy road ... toward conjugal infidelity and the general lowering of morality." Humanae Vitae, in The Gospel of Peace and Justice ed. Joseph Gremillion (Maryknoll, NY: Orbis,1976), p. 435* § 17
[5] For instance, see Bernard Häring, "The Inseparability of the Unitive-Procreative Functions of the Marital Act," Contraception; Authority and Dissent, ed. Charles Curran (New York: Herder & Herder, 1969).
[6] Richard John Neuhaus, et, al., "The Homosexual Movement: A Response by the Ramsey Colliquium," First Things 41 (March 1994), pp. 15-20. The Colloquium is careful about not overcharacterizing the homosexual movement as unified.
[7] "When some scientific evidence suggests a genetic predisposition for homosexual orientation, the case is not significantly different from evidence of predispositions towards other traits---for example, alcoholism or violence," Ibid,, p. 18.
[8] Ibid.
[9] Ibid., p. 17.
[10] John D'Emilio, Sexual Politics, Sexual Communities (Chicago: University of Chicago Press, 1983).
[11] See the arguments given by Andrew Sullivan in Virtually Normal., An Argument About Homosexuality (New York: Alfred A. Knopf, 1995).
[12] «Letter to the Bishops of the Catholic Church on the Pastoral Care Of Homosexual Persons» in The Vatican and Homosexuality, eds. Jeannine Gramick and Pat Furey (New York: Crossroad, 1988), pp. 1-10: 16.
[13] Ibid., 7
[14] Ibid., 11
[15] Gaudium et Spec, in The Gospel of Peace and Justice, 112.
[16] Ibid., 48
[17] Philip Keane, Sexual Morality: A Catholic Perspective (New York: Paulist Press, 1977).
[18] Usually Cacti Cannubii (1931) is cited as the transition.
[19] James Hanigan, Homosexuality. The Test Case for Christian Sexual Ethics (New York: Paulist Press 1988), p. 90.
[20] Ibid., p. 100.
[21] Thomas Aquinas, Summa Theologica (New York: Benziger Brothers, 1947), I, 41.1.
[22] Summa, 1, 99.2.
[23] Summa. 1, 98.2.
[24] Humanae Vitae, 19.
[25] Victor Furnish, The Moral Teachings of Paul (Nashville: Abingdon, 19n).
[26] William L. Countryman, Dirt, Creed, and Sex (Philadelphia: Fortress Pens, 1988), pp. 30, 32, 33,39.
[27] Paul Veyne, «Homosexuality in Ancient Rome» Western Sexuality, eds. Philippe Aries and Andre Bejin (Oxford: Basil Blackwell, 1985).
[28] Robin Scroggs, The New Testament and Homosexuality (Philadelphia: Fortress Press, 1983), P, 120.
[29] Richard Hays, «Relations Natural and Unnatural: A Response to John Boswell's Exegesis of Romans I» The Journal of Religious Ethics 14/1 (1986), pp. 184-215.
[30] Dale Martin, «Heterosexism and the Interpretation of Romans 1:18-32» Biblical Interpretation 313 (October), p. 337.
[31] Hays, p. 191.
[32] Martin, p. 337.
[33] Scroggs, p. 116.
[34] John Boswell, Christianity, Social Tolerance, and Homosexuality (Chicago: University of Chicago Press, 1980), p.109
[35] Ibid., pp. 110-11. . «Para Paulo, 'natureza' não era uma questão de lei ou verdade universal mas algo relacionado ao caráter de alguma pessoa ou grupo de pessoas, um caráter que era largamente étnico e completamente humano. A palavra 'natureza' em Romanos 1:26, então, deveria ser entendida como a natureza pessoal dos pagãos em questão».
[36] Hays, p. 194.
[37] Sullivan, pp. 40-1.
[38] Ibid., p. 43.
[39] Patricia Beattie Jung and Ralph F. Smith, Heterosexism (Albany: Suny Press, 1993), p. 30.

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